Povo da terra não tenha medo,
nós vimos numa missão de paz, e por que não? Pois somos primos já estivermos
aqui uma vez.
Estamos nos aproximando do
sistema solar quase tão rapidamente como esta mensagem pelo rádio.
Fomos nós que colonizamos a
terra, no reinado dos grandes repteis que estavam perecendo quando viemos e que
não pudemos salvar. Esse mundo era então um planeta tropical, e pensamos que
daria uma excelente moradia para nossa gente. Estavamos enganados. Embora
fôssemos senhores do espaço, muito pouco sabíamos sobre clima, evolução,
genética...
Há dois milhões de anos, a
terra começou a mudar. Durante milhares de milênios tinha sido um paraíso
tropical; depois a temperatura baixou e o gelo começou a descer lentamente dos
pólos. A proporção que o clima se alterava também mudavam os colonos.
Compreendemos agora que se tratava de uma adaptação natural ao fim do longo
verão, mas aqueles que haviam feito da terra o seu lar pelo espaço de tantas
gerações acreditavam estar sendo vítima de uma estranha e repulsiva doença. Uma
doença que não matava, não causava nenhum dano físico, mas apenas desfigurava.
Entretanto, alguns ficaram
imunes; foram poupados, eles e os seus filhos pela mudança. De modo que, no
espaço de poucos milênios a colônia se cindiu em dois grupos distintos – quase duas
espécies distintas que suspeitavam e tinham ciúmes um do outro.
A divisão trouxe consigo a inveja,
a discórdia e finalmente o conflito. A medida que a colônia se desintegrava e o
clima ia constantemente piorando, aqueles que puderam fazê-lo retiraram-se da
terra. O restante mergulhou no barbarismo.
Podíamos ter-nos mantido
contato, mas há tanto que fazer num universo de cem trilhões de estrelas! Até
poucos anos atrás não sabíamos se alguns de vocês haviam sobrevivido. Foi então
que captamos os seus primeiros sinais de rádio, aprendemos as suas linguagens
tão simples e descobrimos que vocês tinham realizado a longa ascensão a partir
da selvageria. Aqui vimos para saudá-los, nossos parentes há tanto tempo
perdido – e para ajudá-los.
Muitas coisas descobrimos
durante os milênios decorridos desde que abandonamos a terra. Se desejam que façamos
voltar o eterno verão que aqui reinava antes das épocas glaciais, nós podemos
fazê-lo. Acima de tudo , temos um remédio simples para a desagradável, embora
inofensiva epidemia que atacou tantos colonos.
Talvez o seu ciclo tinha
terminado – mas, em caso contrário, temos boas notícias para lhes dar. Povo da
terra, vocês podem reunir-se mais uma vez à sociedade universal sem sentirem
vergonha, nem constrangimento.
Se alguns de vocês ainda
continuam brancos, nós podemos curá-los
Artur C. Clarke. O vento solar.
Porto Alegre: Globo, 1973. P 60.